segunda-feira, 16 de agosto de 2010

SINÉDOQUE, NOVA IORQUE


A arte é um mundo versátil, encarna "mundos", transporta pensamentos. Charlie Kaufman, que ganhou grande prestígio como argumentista com o filme "Being John Malkovich", tem vindo cada vez mais a fortificar a sua carreira na indústria do cinema. Da sua filmografia podem ser retirados "Confessions Of A Dangerous Mind" e "Eternal Sunshine Of Spotless Mind".

"Sinédoque, Nova Iorque" é a sua estreia como realizador, mas não é o único papel que Kaufman tem. Esteve a cargo da banda sonora, produção e claro, argumento. Kaufman caracteriza-se por levar a arte para o mundo surreal, é quase uma obrigatoriedade como artista. Neste filme é apresentado o seu alter-ego, director de teatro representado por um dos melhores actores deste milénio, Philip Seymour Hoffman, conhecido pela sua grande prestação em "Capote".

Caden Cotard, depois de passar por uma clínica geral, um oftalmologista e um neurologista, descobre que tem sicose, uma doença de pel, que suscita na personagem a paranóia da morte. Ainda por mais acaba por ficar sozinho, pois a sua mulher parte para a Alemanha com a sua filha, sem dizer quando volta. Entretando, Cotard recebe uma carta de uma fundação que valoriza a genialidade, premiando Caden com um orçamento de grande peso para a montagem de uma peça singular. E é aqui o coração de "Sinédoque, Nova Iorque", a chance que o director vê de encenar o seu testamento. Sinédoque acaba por ser a figura de linguagem que toma a parte pelo todo.
Analisando tecnicamente o filme, os planos estão fabulosos, algo familiar para quem gostou de "Eternal Sunshine Of Spotless Mind".

Cada cena está repleta de pormenores deliciosos que só depois de se visualizar mais que duas vezes é que se conseguem captar. Em relação à fotografia também está ao estilo de Kaufman, surreal, com grande competência. O argumento não desilude, do melhor que Charlie sabe fazer, com uma narrativa linear, absorvente, que só se concretiza pelas excelentes interpretações de Philip Seymour Hoffman, Catherine Keener, Michelle Williams, Samantha Morton, entre outros. Hoffman prova mais uma vez ser um grande actor, com mais uma grande interpretação e é o próprio que se consegue destacar, penetrando no fio condutor do filme.

Mesmo assim, "Sinédoque, Nova Iorque" não se encontra no mesmo patamar que os antecedores. Não deixa de ser um filme belo, que coloca a arte em primeiro lugar. É preciso ter uma mente aberta para digerir a maneira como é realizado: é como ler poesia. É que este trabalho chega mesmo a ser um drama poético. É tudo muito abstracto, atravessando, por vezes, ao limiar da complexidade. Não deixa de ser curioso: é que o filme acaba por ser sobre a própria arte, o nascimento, vida, morte. É complicado, mas é isso que nos cola ao ecrã, por vezes a ser espectadores de algo que não há explicação. Enquanto o filme se desenrola, o nosso papel chega mesmo a ser o de interrogarmos sobre a vida. É como ver uma peça de teatro.

Infelizmente, como realizador, ainda não fugia a algumas nuances e nota-se muito na transicção do argumento para o grande ecrã. Enquanto, por exemplo em "Being John Malkovich", Spike Jonze consegue fazer com que o argumento flua na objectividade e subjectividade ao mesmo tempo, este não consegue construir esse paradoxo. De qualquer maneira é imperdível apra fãs de Kaufman com momentos de grande genialidade. São filmes como este que valem a pena ver cinema.

3,5/5
by Mário Jader

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